terça-feira, 26 de junho de 2007

confissões de um motorista frustrado aka
i say hey, what's going on?

e aí que esse período da nata é só uma contextualização. jamais desconsiderando a magnitude dos pasteizinhos de nata, longe disso. é que nessa época, talvez por uma conjunção astral favorável ou qualquer algo que o valha (os pasteizinhos?), éramos mais próximos da parte rica da família. rica é modo de dizer - eles são muito ricos. tanto que aqui caberia até sublinhar o "muito".

felizmente deus é justo e as pessoas não têm tudo num só pacote, salvo raras exceções. esses integrantes da família não fogem à regra e são, muitos deles (pra ser sutil e não dizer "todos"), bastante feios. e como convém aos feios e ricos - preta gil expoente máximo dessa vertente - são divertidos, bem-humorados e despreocupados.

a mais velha desse núcleo particular a que me refiro e que você finge que sabe qual é, é a simone. hoje casada e mãe de crianças simpáticas que têm festas suntuosas pra celebrar seus poucos anos e a feiúra que ainda não veio. a simone sempre foi espalhafatosa. ria alto, falava alto, era desbocada, engraçada... um modelo de gente mais velha que entretém. com uma boca imensa, milhares de dentes e uma voz meio grave.

nesse período do vínculos, virava e mexia eles apareciam em casa, que era numa cidade a pouco menos de uma hora de onde eles moravam (hoje, morando a poucos minutos de distância, isso já não acontece). e como convém aos ricos que simplesmente aproveitam, cada vez aparecia um carro mais novo, mais desejável e mais emperequetado. qual não foi minha surpresa, aos seis anos de idade (chute meu), ao procurar e não encontrar o carro específico (um corcel, se não me engano) com minha mãe dentro. um pânico momentâneo tomou conta, mas, de repente, anuncia-se a simone, indo buscar os primos na escola, em um carro obviamente novo e (!!!) com teto solar.

[vale aqui avisar uma coisa: no começo da década de noventa, um carro com teto solar era o cúmulo da diversão e do "très chic". pelo menos na porção de interior onde eu morava.]

eu, naquele momento, alçado à posição de criança rica e junto ao meu irmão, entrei no carro provavelmente cheio de mim mesmo, impressionável, provavelmente a ponto de derramar uma lágrima de deslumbre. mas mal imaginava que o melhor ainda estava por vir...

eu e meu irmão, como é de se esperar, estávamos quase nos espancando na disputa pelo vento (desconfortável) na cara que o teto solar proporciona e alternávamos as cabeças no vento desnecessário que se apresentava como o supra-sumo do cool. foi nesse momento que a simone aumentou o som do rádio quando tocava "what's up", do 4 non blondes. não lembra? é aquela música do "and i say hey-ey e-he-hey he-ye-hey" que foi uma febre a seu tempo. se não identificar depois dessa, eu posso me considerar oficialmente péssimo em onomatopéias.

pois bem, a simone não hesitou e começou a dramatizar a música, cantando num inglês errado que eu não distinguia àquele tempo e sofrendo com a canção. balançando os cabelos, gritando, abrindo uma bocarra... uma loucura. aquilo ficou gravado na minha memória a ponto de, até hoje, morrer de vontade de dirigir pra cantar gritando e sendo aparentemente feliz, como naquele dia de vento na cara e linda perry em voga.

hoje, com uma flagrante pitada de amargura a mais e beirando os vinte anos de idade, eu ainda não sei dirigir. mas morro de vontade de fazê-lo com o som bem alto, gritando felicíssimo, parado na rebouças e eventualmente disparar um "a seta você enfia no cu, seu filhodaputa!" para algum desavisado. e juro que, no meu primeiro momento oficial de motorista, vai tocar "what's up". quem viver, verá.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

coágulos de gordura

mamãe fazia pastéis de nata. na verdade, não eram exatamente pastéis, e sim pasteizinhos - um diminutivo cuja grafia me intriga um pouco e eu, como bom recalcado, evito-o. mas eram versões miniaturas de pastéis, assados e meticulosamente molhadinhos ao acaso, o mesmo cuidado descuidado dispensado aos cabelos de hoje em dia.

pois bem, ela fazia esses pastéis impagáveis. e o freezer era, então, como se fosse o backstage de um laticínio: muita nata. aquela mesma nata que me faz dizer impropérios quando aparece desavisada no meio do leite. e as pessoas reuniam suas respectivas natas em copinhos, copões e potinhos de toda sorte e levavam felizes lá pra dona mônica, felizes e obviamente esperando ganhar alguma rebarba do produto final daquela matéria indigna.

eram amontoados e mais amontoados daqueles coágulos de gordura de leite, uma loucura. e o pior: leite de todo mundo que fazia parte desse círculo de troca de nata. tudo fruto daquele tempo em que as pessoas ferviam litros de leite e a nata era parte do dia-a-dia de todo mundo. não haviam vacas desnatadas, semi-desnatadas, light, com ômega 3, vacas de soja, vacas de cabra ou qualquer outro modelo desses que há hoje em dia. desconfio, do alto do meu comentário impertinente, que a nata seja culpa do saquinho (mas isso é porque eu tomo leite desnatado, fresco que sou).

[continua]