do charme passadista das cartas, da angústia da espera, da expectativa que dura segundos entre ter o envelope em mãos, identificar o remetente e imaginar o que tem lá dentro, até a leitura de fato do conteúdo. as cartas estão indo embora. há quem se lamente e diga que nos tempos de antanho era melhor, mas não é o caso.
com uma ressalva talvez pra esse filão que mingumiua, o do estudo e das publicações de correspondências importantes ou, melhor ainda, das banais, que contam como tal ou tal figura proeminente tomava seu café, descrevia os hábitos de todo dia e contava os meandros da vida íntima, declarações de amor inclusas, aproximando de alguma carna(va)lidade esse pessoal que fica tão distante de qualquer concretude.
(nunca soube que o verbo minguar se conjugava desse jeito.)
viajando pensei que uma das profissões que mais se assemelha a uma penitência é a de carteiro de cidade íngreme. lisboa, são francisco, ouro preto, quem mais couber. subir e descer ladeiras e mais ladeiras, dia após dia. naquela hora parecia mais difícil que trabalhar em açougue.
pensei também que ia mandar postais pra algumas pessoas, esse hábito que sempre me desperta um pouco quando sou o alvo. escolhi as pessoas, juntei alguns endereços, escolhi os postais, alguns deles até escrevi durante a viagem. ir ao correio não consegui.
retomando essa desistência, me lembrei do geraldo, o porteiro da casa anterior, a quem eu sempre perguntava "chegou conta nova?" e ele fingia que não. lembrei de um tio, que ainda usava (bobear ainda usa) o serviço de telegrama em pleno século vinte-e-um. lembrei também das idas recentes aos correios, que se tornaram terra de ninguém, e da velha implacável e orgulhosa que cruzei na fila dia desses. lembrei ainda do recipiente de cola, cheio de acúmulos daquele líquido viscoso grudado na borda, com um pincel acoplado à tampa azul de plástico.
e aí vi que o canadá está extinguindo o seu serviço postal, cujo presidente se chama deepak chopra -- provavelmente filho de místicos desavisados que cometeram um desses atos de batismo do tipo "elvis presley duarte" que se costuma achar que é cafonice nacional exclusiva.
logo o canadá, aumentando ainda mais sua distância da frança (talvez até por isso), onde tudo se faz por um correio de lógica aparentemente mambembe, mas que funciona muito bem assim mesmo, obrigado. o mesmo canadá que não quis se deixar conhecer pela dona maria nessa primeira tentativa de ver, com os olhos a serem invariavelmente comidos pela terra, como é a qualidade de vida de um país desenvolvido.
domingo, 6 de abril de 2014
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