sexta-feira, 24 de outubro de 2008

o dia em que o chinelo se foi aka
encerrando o ano com o pé na lama aka
adeus, chinelo velho, feliz chinelo novo!

eu não me lembro de ter escrito sobre isso antes. é bem possível, mas, pelo sim, pelo não, pela inexistência do texto à mão, vai de novo. que contar toda essa história por messenger pra ela -- que perdeu o chinelo nas mesmas condições -- ia ficar comprido por demais. e porque dar aquela floreada é sempre bom.

pois então. era fim de ano, dia trinta e um do doze. eu, que não consigo pensar num réveillon em setembro, sempre fico na mão, sem opção alguma, recebendo o ano novo com algum rega-bofe em casa mesmo. típico. uma tradição que já se arrasta há alguns quatro anos. e é claro que os felizes viajantes sempre contam com a ajuda de nós, amigos desapegados das comemorações, pra cuidar de seus bichanos, caninos, canários, girafas, bonsais e afins. eu sempre posso, claro.

e o fiz. visitei os gatos (amélie e alcatra) que viriam a ser pais do meu felino de hoje durante alguns desses dias. dava de comer, passava a mão no cocoruto, tirava os cocôs, renovava a água, papeava com eles um pouco e voltava pro meu lar, me despedindo cordialmente. no tal dia, ciente da ressaca que daria boas-vindas ao ano e quase terminada a faxina pra exorcizar e poder sujar tudo de champagne logo mais à noite, decidi ir até lá alimentar os animais.

fui de calça e chinela, no clima da faxina, com muito ódio no coração. porque só nessa data eu me lembro do quanto a são silvestre, que permeou chesters de toda a minha vida, pode incomodar -- e não é pouco. o roteiro da dita corrida atrapalha todo o meu alrededor, é uma praga. e eu, dependente de transportes públicos nessas datas que eles já são naturalmente mais ingratos, fui pelo caminho mais obtuso, que era o que dava na ocasião.

saí do prédio, olhei pro alto e pensei: ai, é só uma chuvinha boba, vou e volto num pulo. heh, vai nessa. fui até o ponto de ônibus, peguei o primeiro que passou e desci onde tinha que descer. só que no meio desse roteiro de cinco minutos o céu decidiu que ele não queria mais ficar lá em cima. e caiu. mas caiu gostoso. e eu ali, contando com toda a proteção que um ponto de ônibus pode proporcionar numa chuva com ventania. pfffff. comecei a ficar molhado, molhado, molhado. daí pro ensopado foi coisa de um minuto.

do alto da risada sacana e kármica do destino, eu e mais dois dissidentes da são silvestre, competidores numerados mesmo, estávamos ali, naquela cumplicidade constrangida, em cima dos bancos do ponto de ônibus. e como quando você espera a chuva nunca passa, achei de bom tom não chegar ensopado pra alimentar os gatos e voltar pra casa de melissinha, se eu bem conheço a dona do lar. não era uma possibilidade. virei, rumei ao outro ponto de ônibus com destino à felicidade: mi casa. onde eu poderia entrar molhado, me banhar e xingar aquela porra daquela chuva que me pegou de havaianas.

e cabe aqui um par de parênteses. porque se tem um negócio que me tira do sério é havaiana molhada. quem aqui nunca foi lavar o chinelo indo embora da praia? fica aquele schlep-schlep, aquela sonoridade de punheta e seu pé inseguro num pedaço de borracha no qual você acabou de perder a confiança. não dá, não dá.

enfim, peguei o ônibus como se fosse o mais fétido dos mendigos. sabe quando você anda e as pessoas vão te dando passagem, te poupando daquela deliciosa esfregação do transporte público? eu estava cagado. e era molhado.

cinco minutos e três derrames depois, vendo as belas ruas mijadas do centro de são paulo com aquele chão provavelmente cheio de leptospirose, não podia renunciar ao chinelo inimigo. e lá fomos eu, o ódio da chuva, o ódio do chinelo, o chinelo incômodo e a resignação, que me impedia de tentar correr. viva o momento, use filtro solar e aquela bobagem toda.

mas não à toa a cidade de são paulo pára a qualquer chuvinha. o caminho que antes era fedido e sequinho, agora era todo um rio que impedia o trânsito -- que, no caso, se resumia a mim. eu e os anos de balé que eu nunca pratiquei sempre acreditamos no nosso potencial e seguimos em frente: é hora de pular a "pocinha".

pocinha? nem as pernas de ana hickmann e cláudia raia somadas dariam conta daquele despautério, maurren maggi ficaria acanhada diante daquele obstáculo, mas eu? ah, eu dou conta. peguei um impulso, fiz uma forcinha e... tcharam! lá estava eu na outra margem, firme, forte, lúcido e sentindo o gosto da vitória, agradecendo à platéia. quer dizer, uma beiradinha de água ainda me pegou, mas nada que me tirasse o mérito. não fosse o fato de, no meio desse trabalho ornamental, esse esforço hercúleo, minha desprezada "sandalinha" ter caído do meu pé.

desculpa, mas correr e me digladiar contra as forças da natureza que pediam de volta aquele pedaço de borracha com tiras não fazia parte dos meus planos. nem de longe. digladiar com a enxurrada, pegar ainda mais leptospiroses, sofrer no meio da nove de julho? não, obrigado. cheguei em casa com o seguinte saldo: gatos esfaimados, daniel molhado, dever não cumprido e chinelo perdido. pois que tudo se realize no ano que vai nascer, por que este... já tinha cagado mesmo.