sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

é a sua indiferença que me mata aka
o acaso e os não relacionamentos

estava eu dormindo no meu último lugar do ônibus durante a viagem que foi resolvida de última hora em plena tarde de quarta-feira quando, sei lá, um movimento brusco ou a nunca bem-vinda rodoviária de campinas me acordaram e fizeram um senhorzinho sentar logo ali, no par de poltronas do meu lado direito. ele ficou me olhando, eu me posicionei do jeito desconfortável nº 84 do trajeto e continuei a saga do sono.

assim como nas 83 tentativas anteriores, meu aconchego não resistiu ao movimento brusco seguinte ou à parada em alguma mogi da vida, quando o mesmo senhor, estrategista nato, mal me esperou abrir um olho e já veio pedindo: me empresta esse seu jornal? eu, neurótico de carteirinha e já provavelmente fazendo uma beiça incontrolável de ciúme da "minha" mídia, passei o calhamaço de papel pra ele com um sorriso falso dizendo "claro!", mas secretamente pedindo, rezando, implorando, suplicando pra que ele não fosse dessas pessoas que dobram o jornal no sentido contrário da dobra original.

essa, aliás, uma característica que certamente é daquelas que dividem o mundo em dois tipos de pessoas: as que sabem organizar um carrinho de supermercado e as que não o fazem, as que fumam com prazer a as que não sabem viver, as que comem animais indefesos e as que vivem de tofu. e eu ali, vivendo esse impasse que criava entre nós dois um abismo muito maior que aquele corredor que desembocava no banheiro fedido, esse dilema existencial que me fazia triar o mundo conhecido, 6 bilhões de pessoas, em dois montinhos, dois conjuntos redondos que não faziam intersecção: o montinho dos que precisam dobrar o jornal pra ler e o dos obstinados, que enfrentam os obstáculos e leem seu jornal com ou sem vento, em ônibus cheio ou vazio, mas do jeito que ele foi "projetado", verdadeiros desbravadores.

ele? nenhuma confiança. sorria com os dentes gastos e alguns faltantes a defloração daquele jornal virgem, precioso. e, claro, dito e feito: abriu a primeira página e lá foi ele com o dedão invertendo meu jornal, se confirmando como integrante do outro lado do mundo, aqueles que desrespeitam a ordem do papel. cada movimento das folhas era um ritual de vodu que atingia diretamente o meu âmago. já pensou emprestar um livro pra ele? certeza que é daqueles que devolvem com as orelhas marcando as páginas, outra falta de respeito. enfim, fui acompanhando o rumo da leitura dele, completamente diferente da minha. éramos apegados a cadernos e colunistas o mais opostos possíveis, de fato integrantes de hemisférios inconciliáveis, separados pelo meridiano do corredor do ônibus.

foi aí que me ocorreu: mas que mesquinharia a minha, hein? pois é, preconceituoso. a busca pela posição desconfortável nº 85 já estava fora de questão. peguei um livrinho e comecei a ler uma peça da qual eu não tava conseguindo entender absolutamente nada, pensando no momento da devolução do jornal, quando eu tentaria reparar essas lacunas de caráter tentando uma interação com ele. sobre a tragédia no haiti, os comícios velados da dilma, alguma das pautas que tinham acabado de passar pelas mãos dele ou coisa que o valesse.

ele? muito mais rápido, evidente. devolveu o jornal, agradeceu e, me vendo com o livro, perguntou:
- você estuda?
(meneio de cabeça afirmativo)
- o quê?
- eu faço letras.
- você estuda o quê?
- letras.
- o quê que você estuda?
- letras!
- O QUÊ QUE VOCÊ ESTUDA?
- L-E-T-R-A-S!

pois é, tínhamos atingido esse ponto alto, alto e deselegante da não comunicação. pior: por algum motivo miserioso o mundo tinha emudecido nessas últimas falas, o que atraiu a atenção de metade do ônibus pro nosso diálogo. não sei se a idade, se a distância, se pura sacanagem ou se a separação dos hemisférios nos atrapalhou, mas o que quer que tenha sido, não é bem a ideia de um contato inicial bem sucedido. mas na quarta tentativa o desentendimento estava superado: "ah, letras?" e recebeu outro meneio, de um eu feliz, tipo cachorro quando é finalmente compreendido.

ele? muito à frente do meu tempo, como não podia deixar de ser. fez a maior cara de desinteresse do mundo --o que não era improvável a julgar pela minúcia dedicada ao caderno de esporte--, virou as costas e foi tentar sua posição desconfortável nº 1. muito melhor do que puxar assunto com um menino que faz magistério. sem nenhuma cerimônia.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

a farinha e a tainha aka
blablablá de hollywood aka
não se deixe enganar pelas comédias românticas

não sou nenhum crítico nem grande entendedor de cinema, nunca é demais ressaltar. e tava aqui assistindo "la graine e le mulet", que em português ficou "o segredo do grão". gostei da sinceridade do filme, da questão dos árabes, da frança cada vez menos francesa, da tensão do enredo, do retrato familiar e tudo mais. mas duas coisas me chamaram mais a atenção.

primeiro é a naturalidade. cinema, grosso modo, é uma espécie de mímese da realidade cheia de licenças poéticas. e nesse filme -- talvez por não ser um franco-árabe de carteirinha e, por isso, não distinguir as minúcias -- as atuações e o retrato me pareceram bem fluidos, fiéis. e digo isso porque andei vendo alguns brasileiros que poderiam ser bem legais, mas tropeçam justamente nisso. onde já se viu um ator dizendo "isto é uma barbaridade"? o isto fica tão pesado e tão artificial que destrói o filme, assim como a fala muito articulada, muito correta, muito preposicionada. acaba com a verossimilhança do filme. e olha que ela tem uma amplitude bem grandinha, que permite recursos a perder de vista que podem até permitir uma fala correta, se houver contexto que sustente.

outra coisa é o fim. não é nenhuma novidade, os franceses têm esse hábito: o fim deles normalmente não é um fim acabado, arrematadinho. "caché" que o diga. mas o ranço hollywoodiano que sempre quer colocar tudo perfeitinho, correspondendo a todas as expectativas mais românticas dos espectadores mais medianos, deixa o incômodo pairando no ar. eles, os americanos, gostam das coisas assim, delimitadas. eu também gosto. mas o cinema precisa, a meu ver, entreter ou plantar algum questionamento que seja na sua cabeça. ara, eles não conseguem nem acabar com guantánamo e ficam com essa falsa realidade colorida, cheia de fins perfeitos, peripécias calculadas e gente impecavelmente bonita. o resultado são anos de análise pro público e sabe-se lá mais o quê.

porque, ao que tudo indica, a vida é assim: o fim (físico, pelo menos) só chega com a morte. até lá, não adianta querer ficar vivendo de beverly hills.

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da questão de títulos, saiu essa tira do liniers na folha de ontem:


tem toooodas as setenta e seis palavras da língua portuguesa

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

continuando a temática felina aka
o embrulho faz toda a diferença



heh. e você nem precisa esperar chegar o natal, dá pra presentear em outras datas também.
cólicas felinas aka
o humor é uma dor


a minha hello kidney tá com uma espinha, por assim dizer, mas isso há de passar.
pego de algum lugar que eu não lembro exatamente qual porque salvei no desktop.