domingo, 12 de dezembro de 2010

picuinha aka
a rede social

david fincher é bom de filme, o que não é nenhuma novidade. já a história do facebook não valeria um filme e seus protagonistas não mereceriam destaque, não fossem as proporções homéricas -- os milhões de gentes que participam e os bilhões que essas interações virtuais geram.

as personagens do filme são jovens de densidade nula. mark zuckerberg é um moleque meio babaca, obstinado e fã dos chinelos mais feios de que a história tem registro; eduardo saverin é o bobinho de boa-fé que acaba traído, mas que conseguiu retomar seu quinhão; sean parker é o deslumbre que sintetiza o vale do silício, e talvez não pudesse ser representado por outra pessoa que não o astro pop; os gêmeos são tipificados por serem mimados e moldados por dinheiro. por acaso o mesmo dinheiro que move a intriga do filme e, não menos importante, esse tal de mundo real que fica de lado enquanto você "curte" algo on-line.

essa lógica unívoca tem lá suas razões. eles provavelmente não são tão planos assim na realidade, mas a história contada é uma só e nela as pessoas têm posições que podem até mudar, mas que são claras. facilitando o lado do espectador, fica tudo assim, meio pasteurizado e altamente atraente.

em se tratando de cinema e, mais importante, pelas mãos de quem foi feito, o importante é contar a história. por isso são salpicados alguns indícios de que eles não sejam tão rasos assim junto com a criação de alguma empatia por este ou aquele, o que pode ser percebido com certo senso crítico. nada que mude o rumo da história que está escrita e cinematografada.

duas horas de filme depois, o saldo é tétrico. o tal menino mark retoma justamente a picuinha que supostamente teria dado origem a tudo, dedão firme no f5, fechando o círculo com majestade e pateticismo. do lado pessoal, eu estou aqui digitando alguma coisa a respeito nessa mesma internet enquanto chegam notificações dos comentários recebidos nesse tal de livro das caras.

em comum, todo mundo perdendo bastante tempo e alguns (bem poucos) levando bastante (íssimo) dinheiro, tudo baseado nas aparências. mas falar que no facebook todo mundo é feliz é assunto de um outro post, uma nova perda de tempo.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

duas coisas breves que viraram três aka
o humanitarismo, a etimologia e o cu

findas as obrigações acadêmicas, ou melhor dizendo, universitárias, estou começando meu breve período de alforria de leitura, mas antes algumas mídias empurradas com a barriga até o momento estão sendo devidamente postas em dia.

daí um par de recomendações:

- expedicionário, na piauí de outubro: o cara é um ortopedista com pegada humanitária, que faz expedições pela amazônia regularmente e deu seu jeito de ir também pro haiti, depois do terremoto do começo deste ano. os detalhes curiosos ficam por conta da linhagem de médicos peculiares na família e por ter sido namorado da maitê proença, com quem viajou para o oriente no auge da juventude.

- o ruy castro fez um texto para a ilustríssima do último domingo enaltecendo a etimologia, esse ramo tão subestimado do estudo da língua, por ocasião do lançamento de um dicionário desse assunto. pra você que está cagando pra isso, leia pelo menos a parte que ele fala de sacanagem, o mais universal dos assuntos:

É verdade que, em muitos casos, a expressão, além de suspeita, é mesmo culpada. Pode-se, por exemplo, afogar o ganso, o grilo, o jegue e o Judas, tudo com o mesmo sentido. No sentido contrário, dependendo da região do Brasil ou de Portugal, pode-se dar a goiaba, a maricotinha, o boga, o chicote, o disco, o fiofó, o frosquete, o furico, o oitão, o oiti, o tareco e, mais universalmente, o rabo.

e já que estamos nos anais do anal, nunca é demais lembrar do vídeo impagável de rodrigo burdman, baseado num conto do marcelino freire e narrado pelo pereio; do bataille; do texto do reinaldo moraes também na ilustríssima, falando sobre a famosa capa do disco "todos os olhos" do tom zé; e, por fim, do soneto de rimbaud e verlaine, eles próprios bastante versados na arte da pederastia, ao que tudo indica. ao soneto:

Soneto ao buraco do cu

Obscuro e enrugado como um cravo roxo,
Ele respira, humildemente escondido em meio ao musgo
Úmido ainda de amor que segue a doce fuga
Das nádegas brancas até o âmago de sua orla.

Filamentos parecidos a lágrimas de leite
Choraram, sob o vento cruel que os repele,
Através dos pequenos coágulos de marga raiva
Para irem se perder onde o declive os chamava.

Meu sonho frequentemente se colou à sua ventosa;
Minh'alma, com ciúmes do coito material,
Dele fez seu lacrimário fulvo e seu ninho e soluços.

É a oliva desfalecida, e a flauta carinhosa;
É o tubo por onde desce a celeste pralina:
Canaã feminino encerrado nas umidades!


tudo isso pra jogar uma luz sobre os recônditos do derrière e "botar o cu na goteira" caso você precise saber de alguma dessas informações que, nunca se sabe, podem ser úteis em algum momento.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

tô passando por um momento sem títulos

não dá pra entender essas manifestações "antinordestinos" em são paulo. além do ridículo óbvio, a cidade é composta quase que totalmente por retirantes vindos há mais ou menos tempo de lugares os mais variados, desde o interior do estado até os buracos mais longínquos escondidos no mundo.

e é claro que o lugar onde se nasce/vive imprime uma série de hábitos, gostos, culturas e afins no sujeito, mas daí a estabelecer uma etiqueta maioral que defina todos os oriundos de um determinado local faz de todos nós um aeroporto americano: favor caprichar na hora de revistar aqueles vindos de tal, tal e tal país.

como tem gente babaca no mundo, cruiz.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

as coisas mudam aka
argumento de autoridade

escrevi, escrevi, escrevi e apaguei. mas fica um bob dylan simbólico.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

irmãzinha aka
dedo podre

como é que eu te digo que eu fico meio chateado? não vou mentir que apesar da grandeza disso tudo, a imagem de você zen não consta na minha memória. você espanta as pessoas antes mesmo delas saberem o que é que deixa elas putas da vida.

e, cá entre nós, viver com você é um pesadelo. eles te largaram, é, tudo um bando de babaca.
eu adoraria te ajudar, acreditar em você, mas... te conheço faz tempo. de trás pra frente, de frente pra trás, e até de dentro pra fora, irmãcita.

até o cupido já te acha um caso perdido. é como se você tivesse um raio de um dedo podre que transforma todo mundo em pulador de cerca. não, filhota, isso não tá certo. teus casos têm jeito de prisão. e cá entre nós mais uma vez, te aguentar é uma verdadeira vitória.

(...)

te largaram de novo, né? toma cá um lenço.

-

isso aí em cima é isso aqui. em breve deve sair uma versão de "ne me quitte pas" intitulada "numilarga".

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

bonjour aka
gentilezas

muito embora no final do ano eu me torne um diplomado em francês, não sei muito bem a aplicação disso na minha vida. não estou questionando a validade da formação, só o aspecto prático mesmo. e sem maiores deslumbres: tenho plena consciência de que foi uma escolha meio impulsiva, de valores intrincados voltados ao glamour e status, características plantadas pelo eurocentrismo aliado uma cultura dominante de homens meio boiolas e mulheres elegantérrimas.

um "pequeno" detalhe é que tudo isso se apoia basicamente em preceitos muito antigos. meu avô achar lindo falar francês, vá lá; o fato de eu, duas ou três gerações depois, continuar com essa mesma mentalidade é que é esquisito, anacrônico, à toa, desnecessário, chame como quiser.

daí fico eu com esse je-ne-sais-quoi, também conhecido como "batata quente", em mãos. mas sem dramas, estou ciente de que foi tudo muito bacana de um jeito ou de outro, agora é aproveitar o gole de tempo que vai estar disponível e descobrir o que fazer com ele, usando o tal do diploma ou não.

acontece que há pouco eu estava chegando em casa, na hora do rush matinal dos elevadores. chegado ao térreo, puxei a porta com cuidado, pra não irritar a pessoa que estivesse lá dentro com um conflito de forças braçais desiguais sobre o mesmo objeto cuja responsabilidadde seria inteiramente minha. e me deparei com uma senhorinha saindo da mesma caixa suspensa que eu tomaria pra chegar em casa.

ela, ao mesmo tempo lépida e contida em seu ritmo como convém a uma velhice bem resolvida, sorriu todos os dentes disponíveis (e, originais de fábrica ou pastiche, ela tem todas as canjicas, pelo que pude conferir). eu, seguindo os preceitos de uma certa cordialidade semiautomática, sorri de volta e disse "bom dia".

a velhinha, rasgando ainda mais o sorriso, inclinou a cabeça, como que contente pela gentileza. e me devolveu a mesma expressão, num sinal de que, dependesse de nós, o mundo teria um jazz suave de plano de fundo, calmo como ela conseguiu finalmente ser na segunda metade do seu segundo tempo de vida.

e bingo. falar com biquinho, fazer frescura, ser pedante, seduzir as pessoas, ser mais pedante ainda lendo no original... tudo isso é verdade. tal e qual o mauhumor e a educação excessiva dos pardon e bonjour que eles usam a torto e a direito -- ou, como eles diriam, à tort et à travers. enfim, os rabugentos incutiram em mim alguma gentileza.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

expressão do dia aka
o léxico também é relativo

estar na estica
1 estar próximo à morte, por debilidade física
2 Regionalismo: Nordeste do Brasil.
estar em estado de penúria, estar muito pobre
3 Regionalismo: Sul do Brasil.
estar bem vestido

elegante e miserável.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

rô e adalto aka
relativizando as migalhas
aka
urinárias

- rô, sabe aquela cuspidinha antes do xixi?
- como assim cuspidinha antes do xixi?
- ué, vocês mulheres não dão uma cuspidinha antes do xixi?
- não.
- quer dizer, a cuspidinha não é necessariamente antes. pode ser durante ou depois também.
- mas a gente mija sentada, adalto.
- ah, depois que eu peguei o hábito, dou a cuspidinha até quando tô sentado. cagando. abro um pouco mais as pernas, seguro o pinto pra trás e cuspo. às vezes esbarra na tampa da privada ou no pinto mesmo, mas não é regra.
- tô adorando saber disso, viu. mas, de todo jeito, eu teria que pegar o hábito de pé, pra depois começar a cuspir sentada. e eu nunca mijei em pé.
- não, faz sentido. mas é que eu tô com uma técnica nova pra cuspidinha que eu queria saber... mas você nem cospe no xixi, não adianta.
- técnica, adalto?
- é. eu concentro toda a baba, preparo o cuspe... é quase uma ciência.
- ahã.
- tô falando sério, rô.
- quem sou eu pra te desdenhar.
- mas então, depois de preparar a baba, em vez de dar uma catarrada daquelas cheias e sonoras que eu até acho nojento quando alguém dá na rua assim, eu como que estico a língua e deixo o cuspe fluir.
- transcendental, hein.
- justamente! sabe aquelas cenas de discovery channel que uma gota de orvalho escorre de uma folha? tipo com aquelas lentes fodonas, tudo aumentado, em câmera lenta, que faz uma mini-gota...
- é gotícula o nome disso, adalto.
- é, a gotícula. ela cai e faz um estardalhaço, é quase um tsunami microscópico. sei lá, eu meio que penso essas coisas.
- apesar de toda essa poesia que você tá me contando, eu até que entendo.
- entende o quê?
- isso de relativizar o relativo.
- como assim?
- ah, pensa bem: o que pra você é só um respingo de coca no chão, prum grupo de formigas é um oásis de açúcar e sabor. ou uma migalha de pão que caiu e você vê aquela formiga hulk carregando sozinha, toda vitoriosa. eu piso em todas as outras, menos nela.
- hum, legal.
- tô falando sério, adalto. e dá pra estender isso de relativizar o relativo pra qualquer coisa.
- tipo como?
- ah, agora assim de cabeça eu não sei te contar. mas as pessoas não falam que "tudo é relativo"? então, tudo é relativo em vários ângulos, várias vezes. mas isso meio que sempre acaba sendo um pouco poliana.
- pode ser. você já vem deitar?
- tô só acabando de cortar as unhas do pé direito e já vou.
- tá, vou começar a esquentar o teu lado da cama.

adalto, que não é exatamente um integrante do grupo de homens que dorme de pijama, mas sim do grupo da samba-canção com camiseta branca, tira os óculos e bota na cabeceira junto com o livro que ele sempre rouba na leitura, pulando algumas páginas que acha chatas de vista, hábito aprendido com alguns balzacs das antigas. dá um gole no copo d'água que ele mal bebe, mas que não consegue dormir sem sua presença no criado-mudo, e posiciona tudo rotineiramente. o celular, que faz as vezes de despertador, bem em cima do rádio-relógio que não funciona mais, mas tem valor sentimental, e o copo na extremidade oposta, pra ele não derrubar água nem quebrar o copo quando, de manhã, vira o braço adormecido que se move independentemente, à maneira de predadores marítimos farejando sangue.

rô, cuja corruptela não nos deixa saber se ela se chama romilda, rosana, rosângela, rosaura, roberta, rosa ou qualquer outra rô -- mas que eu, no papel de suposto detentor da narrativa, chamaria de rodriga, e acho que você deveria levar isso em consideração --, termina de cortar as unhas. ela faz parte do grupo de mulheres autônomas, que se recusa a deixar uma fatia considerável de seu salário no salão de beleza, sem falar na imensa carga de paciência que é dispensada nesses locais, que inclui desde o comportamento intrépido das operárias das cutículas até a leitura de revistas datadas do período pré-cambriano.

ela vai conferir se adalto, que lhe incutiu o hábito dos dois goles d'água antes do sono depois que eles foram morar junto, encheu o copo devidamente. dados os seus goles, ela apaga a luz, vai iluminando o caminho com o celular pra não tropeçar, por mais que conheça a lógica do ambiente, considerando que o contrato de aluguel foi renovado umas duas vezes até o momento. tenta tirar o adalto, que está deitado na transversal, do seu lado da cama, o que consegue com algum esforço e mini-petelecos no lóbulo. dá-lhe um beijo entre o pescoço e a orelha, se acomoda e puxa o braço dele de novo pra cima de si.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

essa moça tá diferente aka
repetido é milhó



essa bethânia novinha e de tomara que caia, com o paulinho da viola moço e o peito lá embaixo, fumando um cigarro que ela não fuma mais... é qualquer coisa.
eu tava querendo falar de alguma coisa que eu não sei ao certo o que é. mas aí me apareceu outra e vai ser ela mesmo.

a ela:

mudando de campo no formulário aka
superior incompleto

estou, depois de muito tempo, à beira do fim. essa tragicidade é só pelo efeito que possa causar mesmo, porque esse fim é do grupo dos prosaicos: fim da faculdade.

tem muito tempo já. o suficiente pra botar um estetoscópio no cangote e sair por aí passando receitas com respaldo de algum conselho regional ou estadual.

não é o caso.

na verdade, se tudo correr bem, eu não vou mais ter obrigações acadêmicas, depois de mais de cinco anos que serão seis quando este 2010 se encerrar.

acontece que nesse meio tempo o referencial de vida mudou meio que bruscamente em torno disso. acho que dá pra dizer que eu virei adulto (e eu tenho alguma noção do quanto isso é um assunto bocejável) e não me lembro direito o que era antes nem o que pode vir a ser depois.

de repente, vou ser só eu. não terei aonde recorrer pra almoçar a r$1,90, por mais que eu não desfrute mais disso. e acho que eu não sei mais o que pode vir a ser a vida fora desta fase de (de)formação.

de todo jeito, já me programei pra comprar tantos livros quanto forem possíveis pra afogar. a mim, as mágoas, os questionamentos, as vontades de leitura reprimidas desses anos todos. deve ajudar.

mas de uns tempos pra cá, apesar de todos os pesares, as coisas estão ficando mais claras, fazendo muito mais sentido do que eu imaginei que elas fossem fazer desde o início, quando tudo não passava de uma medida desesperada adolescente.

virou acerto. não em cheio, que não trabalhamos com plenitude. mas o saldo parece que vai ser positivo.

domingo, 30 de maio de 2010

por aí aka
palavras de um tarado pós-coito

"como é bonita a bunda, essa bela parelha de ancas. uma pena usar essa obra-prima pra se sentar."

daqui.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

o mundo automático aka
cada borrifo é um flash aka
pssssssfffffffffft

a nova aquisição do lar é um daqueles disparadores automáticos pra fragrâncias campestres ou venenos. eu, que acredito que espirrar um cheirinho no banheiro que fica até turvo depois daquela cagada magistral é igual a cagar num pé de jasmim, uso na função veneno.

o trocinho fica no meu quarto-escritório, na prateleira de cima da porta, junto com a coleção de bonecos do he-man que mal param em pé por conta de uma infância frenética (não a minha, no caso) que gastou o elástico das pernas de quase todos os personagens.

a lógica é bem simples: de quinze em quinze minutos ele espirra o conteúdo de um frasco aerosol reduzido em comparação com o tamanho normal desse tipo de frasco, mas que o pessoal da sbp garante durar meses. a ver.

tudo isso pra matar os pernilongos que moram embaixo da mesa do computador e, de tempos em tempos, passam com a minha perna na boca, uma selvageria.

acontece que a borrifada -- pssssssfffffffffft -- tem mais ou menos o mesmo efeito do BAH em alto e bom som dos gaúchos no café da manhã, já que eles trabalham com uma noção de volume um pouco mais alta do que estou acostumado.

ou seja, a cada quinze minutos eu e o gato quase temos um derrame. pssssssfffffffffft.
notas jornalísticas aka
lendo a folha de segunda

lendo o jornal atrasado da última segunda, algumas coisas a dizer:

1.

apesar de gostar bastante dele e às vezes perceber que ele é meio babaca em alguns pontos que me incomodam (como todo mundo), o ruy castro foi de uma sutileza ímpar no editorial:

"Outro aferidor seguro [do clima de uma favela] são as crianças. Nas comunidades em guerra, as crianças se mostram pouco, e as que aparecem, amadurecidas a pulso, olham duro para os de fora. Suas brincadeiras são condicionadas pelas facções em luta, que demarcam os territórios e, quando abrem fogo entre si, não ligam para inocentes na linha de tiro. Ou pelas milícias, que também não sabem usar talher de peixe.

espero conseguir usar "talher de peixe" em breve de alguma maneira.

2.

na capa, lulinha dá o ar da graça:

"Em entrevista ao jornal espanhol El País, o presidente Lula se definiu como 'multi-ideológico'. 'Um chefe de Estado é uma instituição, não tem vontade própria todo santo dia, mas tem que levar a cabo os acordos que sejam possíveis.

Para ele, que não vê chance de perder a eleição, haverá continuidade. 'Ganhe quem ganhar, ninguém fará nenhum disparate'.'"

mas, cara pálida, seus oito anos não foram também, de certa forma, continuidade do fhc em alguns aspectos?

enfim, com essa dupla maravilhosa de candidatos à presidência, sinto que o brasil tem sérias chances de ganhar a copa, como manda a lógica da rita lee.

3.

no dinheiro tem uma matéria interessante sobre baixar de nível financeiro (questão que o coutinho também aborda na coluna da ilustrada de terça). eu, financeiramente neurótico, achei curiosa essa matéria dos pobres envergonhados, tenta dar uma olhada.

4.

o pondé é outro que costuma ser muito mais babaca que a média, o que me irrita. muito provavelmente por eu ter essas ganas de onipotência disfarçadas, o que me traz o sério risco de envelhecer babaca igual ele. mas às vezes (beeeem às vezes) ele acerta em cheio. esta última coluna foi uma dessas vezes.

5.

e, por último, meio insone na noite de segunda-feira da semana passada, resolvi ler os jornais e fiquei in-con-for-ma-do com uma crítica feita no folhateen (caham) sobre o último livro do fabrício corsaletti, esquimó. e louco como convém às madrugadas, acabei mandando um e-mail pro jornal reclamando, coisa que já nem me lembrava mais. abri o jornal de segunda e estava eu.

acho coisa de velha ranzinza, mas é engraçado o jogo de vaidade do "painel do leitor". supostamente é o jornal sendo democrático e te dando voz, o que faz as pessoas se sentirem importantes e amadas (que é só o que nêgo quer, afinal). tudo isso num espaço ínfimo que 99,9% das pessoas ignoram solenemente.

enfim, o corsaletti já me ganha (eu sou fácil) dizendo que "algumas professoras da usp seriam menos amargas se tivessem o seu nome". e isso também é um argumento raso da minha parte, heh, mas claro que não é só isso.

#

reparou como eu chamo os colunistas pelo sobrenome? amicíssimos.

pronto, encerrada minha conferência de meias verdades.
perdendo a virgindade aka
meu primeiro sutiã

estava eu passando por debaixo daqueles viadutos da nove de julho, mais especificamente naquele em que antes havia uma academia de boxe improvisada pros menos favorecidos que quisessem usufruir dela quando, de repente... pá!

passou uma pomba voando no alto daquela passagem insalubre e meio esquisita, numa imagem que, acredite se quiser, ficou bonita na minha cabeça junto com os pixos e as grades que delimitam a ex-academia.

e foi esse meu primeiro déjà vu desde que comecei a estudar francês. seja lá o que isso possa significar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

a life less ordinary aka
teclado novo com barra inacessível = menos títulos

engraçado que esses dias eu ando com um fôlego bom. leve, até. repare: leve vírgula até, e não leve até. porque o drama e o desespero inerentes não permitem que se seja (eu, pelo menos) leve pacas.

o motivo é sabido. passaram-se dez dias e eu estou praticamente a ver navios profissionais. o "mercado" em que eu supostamente me insiro está um pouco desaquecido. ou pelo menos os clientes pra quem eu presto serviço com meus dedos e cérebro há alguns meses não estão tão precisados dos meus préstimos como eles mesmos me fizeram acreditar nos últimos meses. não é o fim do mundo, pelo menos não quando a neurose se afasta e a moça obcecada que mora dentro de mim dá uma trégua, ou quando já se tem algo arquitetado que vai salvar os próximos meses.

coisa de gente grande ou de puta falar assim, de clientes? no meu caso, nem um nem outro. é só o que é mesmo, sem a pecha de trabalhador de vida super movimentada e várias reuniões e bocas profissionais a alimentar e zelar. sem essa supervalorização do cliente, até porque não sou bem eu quem lido com eles, graças à inaptidão para a extroversão.

enfim, isso significa que eu, com um pezinho no workaholic e, ao mesmo tempo, filosoficamente avesso a isso (apesar da ganância prevalecer), estou com algum tempo. e algum, em terra de nenhum, é um verdadeiro luxo. ou, pra ser mais honesto, tal e qual um trabalhador da indústria que só faz apertar parafusos e, depois de trinta anos de serviço, se aposenta com a cabeça também parafusada e descobre que não sabe preencher seu tempo, aquele que sempre foi tão reclamado.

três horas, por exemplo, em que se enche de uma esperança de poder fazer tudo e, no afã da organização e da onipotência, acabar fazendo nada. não sei. pode parecer pueril, pode parecer desavisado, pode parecer até mesmo deslumbrado. mas nessas circunstâncias bem medianas, acaba tendo mais ou menos o mesmo efeito de viagens solitárias por países desconhecidos, aquelas em que, puro clichê, as pessoas se descobrem. o máximo da mediocrização trabalhística, que acaba estragando até o maior dos chavões do romantismo que a gente carrega, queira ou não.

isso não poderia ser mais incongruente: como é que pode vender seu tempo pra funcionar como mão de obra remunerada, se você mesmo não conhece bem o tal? mas pior mesmo é questionar, questionar, questionar e permanecer no status quo. percebe que bosta?

[desculpa aí, mas acontece que eu adoro ficar tendo essas discussões de luta de classe, apesar de morrer de preguiça de certos vieses mais óbvios a que normalmente se chega]

quarta-feira, 28 de abril de 2010

considerações musicais aka
un vin qui ne donne pas l'ivresse

estava ouvindo samba saravah, na voz da stacey kent pela primeira vez, e nem sabia que era esse o nome da versão em francês de samba da bênção, fui pego de surpresa.

pra quem não sabe, essa música ocupa o meu top bem pequeno -- não sei se top 3, 5 ou 10, mas algo por aí -- e é ela que eu elejo pra tocar na virada de ano, já há alguns três ou quatro anos. parte de uma tradição mezzo brega, mezzo alegria bêbada que eu pretendo sustentar até o fim da vida, que a música, felizmente, é daquelas que não perdem a validade e eu sou brega mesmo.

a minha versão preferida é a da bethânia. o vídeo do link é bem tosco, mas foi o único que eu achei não ao vivo, com a versão do "quanta falta você me faz", que é impecável como um todo. aliás, o santo youtube me trouxe de volta a bethânia jovem, brejeira (não podia ter palavra mais adequada), junto com o paulinho da viola.

enfim, a versão francesa da música é do pierre barouh, que tem aqueles vídeos impagáveis junto com o baden, se não me engano parte do mesmo documentário da bethânia jovem.

e eu tenho essa que mora no meu ipod, na voz da elis e que (!) não encontrei no onisciente senhor seu tubo. mas eu tenho um bom coração pirata e subi aqui, oiça. com uma alegria de dar gosto.
a elegância do ouriço aka
boa surpresa

estou lendo o livro que tem o primeiro título, de muriel barbery. por pura obrigação, de início. e mal cheguei na página 100, mas a porteira letrada (e ignorada) de um prédio parisiense de alta classe é bem o tipinho do meu gosto. dá uma olhada nesses pedaços -- traduzidos assim, no susto:

"à la poursuite d'octobre rouge foi o filme do nosso último encontro. quem quer entender a arte da narrativa, precisa assisti-lo. a gente fica se perguntando por que a universidade é tão obstinada em ensinar os princípios narrativos se valendo das teorias de propp, greimas e outros pensadores, quando bastaria investir numa sala de projeção. premissas, intrigas, ações, peripécias, buscas, heróis e afins: basta ter o sean connery com uniforme de tripulante de um submarino russo e alguns porta-aviões bem posicionados."

ou ainda:

"então, como eu tava falando, fiquei sabendo hoje de manhã ouvindo a france inter que a contaminação das minhas aspirações a uma cultura legítima por outras inclinações de cultura ilegítima, não é um estigma do meu baixo nível nem do meu acesso solitário às iluminações espirituais, e sim uma característica contemporânea das classes intelectuais dominantes."

e assim, estamos todos liberados pra tentar gostar do que há de mais refinado e também, sei lá, assistir superpop e apreciar qualquer porcaria que convenha.

vamos ver como andam as outras trezentas páginas.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

amigos famosos aka
como chegar à elke maravilha em 5 parágrafos aka
tentando exclusividade

um desses finais de semana aí estive na casa dos meus pais e passeei pela coleção de cds, que sempre foi mais do meu irmão do que minha. responsável pela organização milimétrica em ordem alfabética, ele era o hitler dos cds e me fazia repor as caixinhas dele que estavam com os dentes quebrados, fosse culpa minha ou não. coisas de irmão.

é engraçado ter esses contatos assim, com uma tecnologia que está morrendo. lembro de quanto dinheiro já foi gasto com isso, de como era sinal de status ter um gravador de cd e de como eu era feliz com meus álbuns, sempre acompanhado do discman, que precisava ser mantido imóvel pra não atrapalhar a música. num tempo (que nem faz tanto tempo assim) em que ipod não era realidade.

aí, vendo a discografia completa do pato fu até uma determinada época, me lembrei de como eu gostava deles. ainda tenho alguma simpatia, mas não todo aquele fôlego. acabei chegando nessa música, que foi a minha porta de entrada pra música deles. a fernanda takai (que esteve no ensaio de ontem) dizia que era sobre as idas e vindas da vida dela, que sempre mudou muito de cidade por conta do trabalho do pai.

a partir disso, por conta dessa aproximação de realidades que, na minha cabeça, queria dizer muita coisa, a gente virou amigos -- também na minha cabeça, mas sem configurar esquizofrenia. éramos os dois meio que forasteiros, deixando algumas coisas pra trás. vida, amigos, hábitos, colégios, cidades. o meu roteiro nem foi tão grande assim e hoje eu até agradeço por isso tudo. pensa bem, pelo menos não virei personagem exclusivo de um único microcosmo interiorano, que vem a ser das coisas mais sufocantes no meu ponto de vista. mais tarde descobriríamos também o gosto pela nara leão, um bom tanto de afinidades.

outra que caberia pra ser nossa amiga é a elke maravilha. que me assustava, na época, mas hoje dá pra entender melhor. ela é uma mulher inteligente escondida por trás daquele monte de exuberâncias. perucas das mais diversas, anéis de cabeça de passarinho, batom a não mais poder... aquilo que se chamaria de visual um pouco carregado. e o dado mais peculiar: ela é apátrida. ela tem um documento oficial que a reconhece como sendo de terra nenhuma.

aliás, quando elke maravilha esteve numa das cidades onde moramos, passou pelo banco onde meu pai trabalhou a vida toda e foi aquele parlatório. pode ser exagero da minha memória, mas meu pai ganhou um beijo dela na bochecha, o que corresponde quase a receber um beijo de batom dado pelo mick jagger ou pelo steven tyler: a marca vai mais ou menos do lóbulo até a nuca, fazendo o caminho mais comprido.

enfim, um bom grupo: o filho do gerente do banco, uma cantora e uma ex-modelo exuberante e apátrida que fala várias línguas.

domingo, 11 de abril de 2010

fim de semana parte 2 aka
peça de sábado aka
in on it aka
porcaria... porcaria... algo familiar aka
brighter than a lucky penny

sábado foi dia de in on it.

a peça estava em temporada na faap até hoje. felizmente pra quem perdeu, eles voltam no eva herz, que eu não conheço, mas que ocupa um lugar melhor na minha preferência do que a faculdade de mensalidades de dois mil reais (nítido preconceito meu, que não pago, mas não estudo em lugar com portais de mármore) que invariavelmente influencia no tipo de público que frequenta a peça. a partir de 8 de maio, anotaí.

me acomodo e, bem na minha frente, está a tiazinha. uma moça normal por quem o brasil inteiro já ficou de quatro quando ela usava uma máscara e rebolava na tv e que mora numa playboy que deve existir em algum lugar no meu quarto na casa dos meus pais, acredite se quiser. curioso que, poucos dias antes, eu tava conversando sobre um texto qualquer da folha (que eu não consegui encontrar o link agora) sobre a tal, que não é nem de longe uma recorrência nos meus dias, dizendo que quando ela resolveu "virar" a suzana alves, acabou despontando para o anonimato. hah.

voltando... sobre o que é a peça? eu não sei dizer direito, mas nem eles sabem. o importante é que é centrada em diálogos afiados de daniel macivor (um xará canadense que eu preciso conhecer melhor), com atores muito bem entrosados e um não cenário que se enche com os dois.

minha santa ignorância cênica não me permite grandes acrobacias argumentativas, mas assim como dois nomes fazem a história parecer ser verdade no caso dos doze apóstolos, os dois homens fazem tudo parecer verdade, mesmo brincando com a verossimilhança na inversão de papéis sem fim. e o texto, meu amigo, é uma delícia. leve, leve. é o tipo de coisa "banal" que eu gostaria de escrever, e chega numa certa universalidade temática que deixa a gente se identificar mesmo com nomes como taylor, raymond e afins.

a peça-que-não-é-espetáculo também coloca mais uma brenda nos meus anais pop, junto com a chenowith (a minha personagem preferida da melhor série de que se tem notícia), e mostra que o fernando eiras e o emílio de mello são dessas pessoas com quem eu adoraria tomar uma cerveja sem deslumbre nem pretensão, nem chamando com nome e sobrenome assim, mas eu posso estar confundindo pessoa e personagem.

-

a parte três do fim de semana, um coup de genialidade do scorsese, vai ter que ficar pra amanhã. uma satisfação pra mim mesmo, já que leitores assíduos não são tendência por aqui.

o último título é parte da música que permeia a peça, vale dizer sem estragar a surpresa.
fim de semana parte 1 aka
show de sexta aka
abalando bangu aka
pesando a mão nos parênteses

leia até o fim, por favor.

uns dez dias depois de um périplo pelo ibirapuera no dia em que eu andei mais que égua de padeiro, carregando os sete volumes do proust numa edição só (leia-se muito peso) e um guarda-chuva tamanho família (precisa mesmo dizer que não choveu?) pra comprar o ingresso antecipado em plena tarde de quarta-feira (eu posso fazer isso às vezes -- bem às vezes --, mas posso), cheguei no show do lucas santtana sexta-feira no auditório ibirapuera (desta vez chovendo e sem guarda-chuva) e me deparei com pouca gente. o que significa que a caminhada excessiva foi meio inútil e que as pessoas não ficam sabendo o que acontece de bom por aí, mas beleza.

o show começou com as poltronas bem vazias, cheio de espaço entre as gentes. o band leader com aquele negocinho que eu não sei o nome e que parece brinquedo de criança, apertando os botões que soltavam os sons e enchendo aquele lugar todo. um show contido, quietinho, parecendo até tímido, seguindo à risca a setlist do programa e bem próximo da gravação original (pelo que meu ouvido leigo consegue distinguir). tudo bem que eu acho meio brochante isso de saber o que vai tocar depois, e é meio contraditório da minha parte, já que eu não consigo nem assistir um filme sem saber quanto tempo ele dura, mas enfim.

foi basicamente o sem nostalgia com algumas surpresas: uma versão de grains de beauté, outra de mensagem de amor (que é uma pérola na voz dele) e abololô (que é uma colaboração dele com a marisa monte, perdendo a virgindade em show dele).

até a última música -- amor em jacumã, que dispensa apresentações aqui --, ele tinha se limitado a dizer "obrigado" entre os aplausos e finalmente começou a soltar um dedo de prosa. disse que o silêncio era por conta da concentração da primeira vez que faziam esse show especificamente.

fim, agradecimento, aplausos. aplausos que continuam pedindo pra voltar e... os músicos voltaram.

pausa pra falar que acho isso meio questionável. desnecessário como os protocolos reais, por exemplo. óh, que caos, michelle obama colocou a mão nas costas da rainha da inglaterra, grandes merda. afinal, se tá planejada a volta, por que fingir? sebemque é mais ou menos a mesma lógica do choro dado pelo garçom camarada nas doses etílicas controladas demais no boteco de cada dia, tem lá seu sentido, é um processo de sedução definido, como quase todos processos de sedução. sinal de cortesia, da mesma corte que segue os tais protocolos reais. fim da pausa.

aí tocaram uma música que não me lembro exatamente agora e foram embora, deixando o lucas lá, sozinho no canto dele quando (arregalo de olhos, no sentido de arregalar e de ser um regalo mesmo) o palco começou a se abrir.

eu confesso que sempre tive essa curiosidade, de ver o auditório com o palco aberto. ouvi dizer de um show da marina lima -- que a mí no me gusta -- que ela encerrava com o palco aberto e saía cantando pelo parque ou coisa assim. e sempre ficava com essa expectativa, que finalmente foi realizada. prova cabal de que o niemeyer é mesmo um gênio (igual a chuva escorrendo na verticalidade do auditório no cigarrinho pós-show), apesar de todos os pesares que pelo menos eu tenho contra ele.

começa a tocar ripple of the water. a chuva, que tinha dado uma trégua, tombou do céu. de arrepiar até os últimos pelos do orifício mais pudendo e escondido da mais carmela. eu, moça que sou, enchi os olhos d'água. mas o rapaz não deu nenhum ponto sem nó. a letra diz "somethings have come to us, on the wind, feeling the breeze" e a breeze chegando, de fato, na plateia, que já estava em polvorosa e, felizmente, mais cheia do que no início do show.

foram alguns poucos minutos, mas desses de encher os olhos, ouvidos, cabeça, coisa de contar pros netos, guardar no arquivo de coisas lindas da vida, uma ascese que eu imagino que ocorra numa bela de uma foda onipotente (nunca se sabe...). lucas saiu e deixou o público lá, aplaudindo as árvores.

e me lembrei da entrevista da última serafina com o ricardo darín, o ator de todos os filmes argentinos, que, perguntado sobre o que achava das exibições em 3d, disse que o próximo passo seria incorporar os aromas e que isso seria incrível. foi bem isso, só que de verdade. e foi incrível.

-

tem no diginois uma foto dele no palco com o fundo aberto e falando do nervosismo do show.

terça-feira, 30 de março de 2010

tabela nutricional aka
corriqueirices aka
para quem precisa

cansei de ter que cuidar de me alimentar várias vezes ao dia. pensa: se você for seguir as orientações dos nutricionistas, deve comer a cada três horas. e se você dorme as esperadas oito horas diárias (o que já não é comum e, portanto, deveria ser motivo de comemoração por si só), sobram novecentos e sessenta minutos, ou dezesseis horas, num total de cinco refeições pra lidar. sendo assim, começa-se com um café da manhã, que precisa ser a mais reforçada das parcelas. faz torrada, passa geleia (sou só eu, ou ela perde um pouco do sabor sem o acento da grafia nova?), pega o queijo branco, come uma fruta, esquenta o leite, passa um café. quem sabe uns ovos mexidos se você for do tipo hoteleiro? barriga cheia e uma considerável louça. a próxima é mais fácil. algumas horas depois você come uma fruta, uma barrinha de cereal, um pedaço de bolo, uma alguma coisa no meio do caminho. até que chega o almoço. tem que ser balanceado, com folhas, legumes, porção de carboidrato, outra de proteína... e mais uma de fritura pra garantir uma alegria adiposa. o preparo? se você for dos meus -- o que significa não ser um fast chopper -- some-se cinco minutos por cebola picada, entre lágrimas e desajeitos. lavar folhas, que vem a ser a mais ingrata das atividades de que se tem notícia na cultura ocidental, cozer legumes, picar daqui, picar de lá, coordenar várias panelas ao mesmo tempo, temperos frescos, medidas impecáveis e tal. muita louça, ainda mais se houver algum cuidado com a apresentação dos pratos, porque, ara, teve tanto trabalho no preparo, que se tenha um pouco de sofisticação no consumo. este, aliás, precisa ser lento. vinte mastigadas por garfada pra que se sinta a devida saciedade, há de se comer com o aparelho que agora é digestório, o aparato visual é só estímulo, não forma de mastigação. depois desses dilemas e do sono inenarrável que dá, você faz o belisco da tarde. um misto quente, bolachinhas ou, se for do time dos mussolini, aquelas torradas mágicas que, a meu ver, não passam de bucha vegetal pra mastigar. tudo isso maquinando, claro, o jantar, sopa ou macarrão, que é sempre mais rápido, e dá pra colocar umas alcaparras pra chamar de refinado. com a mesma calma na deglutição, mas correndo porque, veja bem, você precisa dormir oito horas. isso sem mencionar o ônus de sustentar, atualizar e fazer jus à geladeira, equilibrar as cores de carnes consumidas, ter sempre os insumos mais frescos e mais saudáveis, evitar o excesso de enlatados e congelados, pegar o supermercado fora do rush, fazer feira aos domingos. depois disso tudo, a brenda chenowith ainda quer que eu use fio dental a cada escovada, que deve ocorrer impreterivelmente após cada refeição.

classe média, você perdi.

segunda-feira, 22 de março de 2010

esboçando aka
dando nome aos bois

meu irmão me deu um caderninho. "caderninho" e "me deu" são falhas minhas. na verdade é um sketchbook, que ele fez pra mim com várias folhas especiais, em retribuição a um negócio que não vale nem um terço desse trabalho artesanal.

pois bem, ele, que ainda não perdeu a fé em mim, ainda me paramentou com canetas especiais de nanquim, aquarelas e outros itens que ressuscitam o louco da papelaria que sempre habitou em mim -- pode falar que é coisa de moça, porque meio que é mesmo e eu não ligo.

acontece que eu não desenho há tempos. na verdade verdadeira, eu só aprendi o básico pra alguns vestibulares que não vingaram. o que não quer dizer muita coisa e também não representaria impedimento algum, não fosse eu obsessivo, inseguro, neurótico, compulsivo com a borracha e cheio de ímpetos de arrancar páginas em busca de redenções e recomeços.

exagero? corta pra uns anos atrás. eu, que já tinha passado há algum tempo da faixa dos sete anos de idade, fui resolver um pequeno desnível capilar que me sobrou depois de ter acabado de sair do cabeleireiro. são aquelas mechas ínfimas que ninguém percebe, mas que, a partir do momento que você se dá conta, fica insustentável, como se três braços com oito mamilos cada estivessem nascendo ali e você tivesse que esconder do mundo com um lencinho transparente essa lady gaga que resolveu se instalar na sua cabeça.

então, munido de uma bela tesoura inapropriadíssima, fui pro espelho do banheiro e comecei. zuft. foi-se embora a falha. mas ops, acho que dá pra corrigir esse pedacinho. zuft. pedacinho corrigido, apareceu um novo. zuft, zuft, zuft... cerca de oitenta e cinco zufts depois, estava eu trancado no banheiro, com metade do cabelo na pia e um rombo sem precedentes no meu couro cabeludo.

quando eu digo "sem precedentes" significa que a máquina 1 passada no dia seguinte ainda deixou falhas no meu novo look jovem meliante. e quando eu digo "no dia seguinte" significa que eu passei uma noite acreditando que a morte era iminente (o que não deixa de ser verdade) e circulando pela casa com um edredom na cabeça, como se fosse a coisa mais natural do mundo uma nossa senhora acolchoada com estampas de produtos de cama.

por essas e outras, eu não estou conseguindo botar pra fora os desenhos que eu quero que se desenhem nessas folhas, nem escrever duas linhas que sejam no meu sketchbook, com esse medo de mácula e sofrimento.

análise feita, quem sabe eu me desenrolo.

segunda-feira, 8 de março de 2010

cristinismo aka
lapso pagão nada sutil

tô sabendo que poemas costumam ser um convite à não leitura. mas a ana cê é dessas coisas assim que vão e voltam. não por falta de amor, mais por falta de tempo. porque quando eu lembro dela e vou atrás de alguma coisa, é de dar brilho no olho. tenta ler pelo menos "a teus pés", que é uma das obras-primas dela. quer dizer, do alto do meu posto de tiete, pra mim todas as obras dela são primas. digo agora de impulso que faria igual a rita lee com os beatles, de lamber a maçaneta que invariavelmente teve que ser tocada por ela numa porta de hotel. a ela, ao som de ella:

O homem público nº 1

Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda


ela dialoga com bodelér, se digladia por atenção (que foi meu primeiro favorito), briga com lúcifer que insiste em odiar seus cachos e ainda foi a tradutora da sylvia pro português.

a expressão adaptada no segundo título é do poema "soneto".

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

eufemismos aka
com vista plena para um amplo estacionamento aka
fait divers

acabou de acontecer, no estacionamento em frente ao meu prédio, uma briga entre moças da vida e moças da vida com pomo de adão (também conhecidas pela alcunha de "travestis", que o dicionário acaba de me dizer que, em portugal, lê-se "travéstis"). quase todas elas usavam seus trajes de carnaval do ano todo e foram mediadas pelo hômi que trabalha no local, que se valeu de um pedaço de pau para afugentar a líder da trupe que havia investido com seu delicado pé quarenta e lá vão números calçado num saltinho, contra a adversária que não tinha uma equipe de defesa formada.

tem coisas que só o centro da cidade faz por você.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

registros aka


ando pensando há algum tempo em fazer uns vídeos. nada assim super profissional, que não tenho competência pra isso por enquanto. mas a câmera nova chegou e dá pra quebrar um bom galho.

a princípio, queria gravar umas histórias, uns algos de família, crente que isso um dia vai ser um super-8 na minha vida, com uma qualidade que vai deixar de existir com a evolução dos dispositivos de captação de mídia e carregando uma nostalgia boa que arrepia os pêlos da bochecha.

e queria começar com as minhas avós. uma conversa camarada, contando umas histórias da vida, uns apegos e outros episódios que a gente não fica sabendo direito, por ser de umas gerações depois.

uma delas, fissurada em novelas de toda sorte, era minha primeira candidata. a teresa, de quem já falei aqui. da última vez que nos vimos, coisa de duas semanas atrás, ela tava deitada na cama do hospital, com os olhos vivos que não condiziam com o resto do corpo.

essa questão tensa da velhice: você chega no seu auge de vivência, mas o aparato segue o caminho oposto, trazendo restrições que você plantou com o passar dos anos e que dão um ritmo mais lento e, por vezes, limitado à vida.

como o ritmo mais lento foi meu, ela acabou virando história no último domingo, antes que eu pudesse concretizar essa vontade de registrar a história em lugar diferente que não só a memória.

estava deitada na cama, dormindo, com o telefone sem fio do lado. do mesmo jeito que fazia desde que o mundo é mundo e o telefone sem fio existia na casa dela. em paz, de um jeito que todo mundo merece. tchau, vó.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

é a sua indiferença que me mata aka
o acaso e os não relacionamentos

estava eu dormindo no meu último lugar do ônibus durante a viagem que foi resolvida de última hora em plena tarde de quarta-feira quando, sei lá, um movimento brusco ou a nunca bem-vinda rodoviária de campinas me acordaram e fizeram um senhorzinho sentar logo ali, no par de poltronas do meu lado direito. ele ficou me olhando, eu me posicionei do jeito desconfortável nº 84 do trajeto e continuei a saga do sono.

assim como nas 83 tentativas anteriores, meu aconchego não resistiu ao movimento brusco seguinte ou à parada em alguma mogi da vida, quando o mesmo senhor, estrategista nato, mal me esperou abrir um olho e já veio pedindo: me empresta esse seu jornal? eu, neurótico de carteirinha e já provavelmente fazendo uma beiça incontrolável de ciúme da "minha" mídia, passei o calhamaço de papel pra ele com um sorriso falso dizendo "claro!", mas secretamente pedindo, rezando, implorando, suplicando pra que ele não fosse dessas pessoas que dobram o jornal no sentido contrário da dobra original.

essa, aliás, uma característica que certamente é daquelas que dividem o mundo em dois tipos de pessoas: as que sabem organizar um carrinho de supermercado e as que não o fazem, as que fumam com prazer a as que não sabem viver, as que comem animais indefesos e as que vivem de tofu. e eu ali, vivendo esse impasse que criava entre nós dois um abismo muito maior que aquele corredor que desembocava no banheiro fedido, esse dilema existencial que me fazia triar o mundo conhecido, 6 bilhões de pessoas, em dois montinhos, dois conjuntos redondos que não faziam intersecção: o montinho dos que precisam dobrar o jornal pra ler e o dos obstinados, que enfrentam os obstáculos e leem seu jornal com ou sem vento, em ônibus cheio ou vazio, mas do jeito que ele foi "projetado", verdadeiros desbravadores.

ele? nenhuma confiança. sorria com os dentes gastos e alguns faltantes a defloração daquele jornal virgem, precioso. e, claro, dito e feito: abriu a primeira página e lá foi ele com o dedão invertendo meu jornal, se confirmando como integrante do outro lado do mundo, aqueles que desrespeitam a ordem do papel. cada movimento das folhas era um ritual de vodu que atingia diretamente o meu âmago. já pensou emprestar um livro pra ele? certeza que é daqueles que devolvem com as orelhas marcando as páginas, outra falta de respeito. enfim, fui acompanhando o rumo da leitura dele, completamente diferente da minha. éramos apegados a cadernos e colunistas o mais opostos possíveis, de fato integrantes de hemisférios inconciliáveis, separados pelo meridiano do corredor do ônibus.

foi aí que me ocorreu: mas que mesquinharia a minha, hein? pois é, preconceituoso. a busca pela posição desconfortável nº 85 já estava fora de questão. peguei um livrinho e comecei a ler uma peça da qual eu não tava conseguindo entender absolutamente nada, pensando no momento da devolução do jornal, quando eu tentaria reparar essas lacunas de caráter tentando uma interação com ele. sobre a tragédia no haiti, os comícios velados da dilma, alguma das pautas que tinham acabado de passar pelas mãos dele ou coisa que o valesse.

ele? muito mais rápido, evidente. devolveu o jornal, agradeceu e, me vendo com o livro, perguntou:
- você estuda?
(meneio de cabeça afirmativo)
- o quê?
- eu faço letras.
- você estuda o quê?
- letras.
- o quê que você estuda?
- letras!
- O QUÊ QUE VOCÊ ESTUDA?
- L-E-T-R-A-S!

pois é, tínhamos atingido esse ponto alto, alto e deselegante da não comunicação. pior: por algum motivo miserioso o mundo tinha emudecido nessas últimas falas, o que atraiu a atenção de metade do ônibus pro nosso diálogo. não sei se a idade, se a distância, se pura sacanagem ou se a separação dos hemisférios nos atrapalhou, mas o que quer que tenha sido, não é bem a ideia de um contato inicial bem sucedido. mas na quarta tentativa o desentendimento estava superado: "ah, letras?" e recebeu outro meneio, de um eu feliz, tipo cachorro quando é finalmente compreendido.

ele? muito à frente do meu tempo, como não podia deixar de ser. fez a maior cara de desinteresse do mundo --o que não era improvável a julgar pela minúcia dedicada ao caderno de esporte--, virou as costas e foi tentar sua posição desconfortável nº 1. muito melhor do que puxar assunto com um menino que faz magistério. sem nenhuma cerimônia.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

a farinha e a tainha aka
blablablá de hollywood aka
não se deixe enganar pelas comédias românticas

não sou nenhum crítico nem grande entendedor de cinema, nunca é demais ressaltar. e tava aqui assistindo "la graine e le mulet", que em português ficou "o segredo do grão". gostei da sinceridade do filme, da questão dos árabes, da frança cada vez menos francesa, da tensão do enredo, do retrato familiar e tudo mais. mas duas coisas me chamaram mais a atenção.

primeiro é a naturalidade. cinema, grosso modo, é uma espécie de mímese da realidade cheia de licenças poéticas. e nesse filme -- talvez por não ser um franco-árabe de carteirinha e, por isso, não distinguir as minúcias -- as atuações e o retrato me pareceram bem fluidos, fiéis. e digo isso porque andei vendo alguns brasileiros que poderiam ser bem legais, mas tropeçam justamente nisso. onde já se viu um ator dizendo "isto é uma barbaridade"? o isto fica tão pesado e tão artificial que destrói o filme, assim como a fala muito articulada, muito correta, muito preposicionada. acaba com a verossimilhança do filme. e olha que ela tem uma amplitude bem grandinha, que permite recursos a perder de vista que podem até permitir uma fala correta, se houver contexto que sustente.

outra coisa é o fim. não é nenhuma novidade, os franceses têm esse hábito: o fim deles normalmente não é um fim acabado, arrematadinho. "caché" que o diga. mas o ranço hollywoodiano que sempre quer colocar tudo perfeitinho, correspondendo a todas as expectativas mais românticas dos espectadores mais medianos, deixa o incômodo pairando no ar. eles, os americanos, gostam das coisas assim, delimitadas. eu também gosto. mas o cinema precisa, a meu ver, entreter ou plantar algum questionamento que seja na sua cabeça. ara, eles não conseguem nem acabar com guantánamo e ficam com essa falsa realidade colorida, cheia de fins perfeitos, peripécias calculadas e gente impecavelmente bonita. o resultado são anos de análise pro público e sabe-se lá mais o quê.

porque, ao que tudo indica, a vida é assim: o fim (físico, pelo menos) só chega com a morte. até lá, não adianta querer ficar vivendo de beverly hills.

-

da questão de títulos, saiu essa tira do liniers na folha de ontem:


tem toooodas as setenta e seis palavras da língua portuguesa

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

continuando a temática felina aka
o embrulho faz toda a diferença



heh. e você nem precisa esperar chegar o natal, dá pra presentear em outras datas também.
cólicas felinas aka
o humor é uma dor


a minha hello kidney tá com uma espinha, por assim dizer, mas isso há de passar.
pego de algum lugar que eu não lembro exatamente qual porque salvei no desktop.