quarta-feira, 17 de abril de 2013
quando a cássia eller morreu, eu estava na sua casa. com você, claro. sua família tinha feito uma viagem curta, pra perto. no afã de dar continuidade a uma tensão sexual adolescente que só crescia, demos mais um passo decisivo rumo à pederastia. a boa e velha boiolagem correu solta na sua cama de solteiro e, não sei bem como, foi parar no tapete do corredor.
claro que, fôlego em falta, toca o telefone e a trupe anuncia a volta pra casa. eu nunca mais encontrei aquele pé de meia perdido, mas você não deve ter tido dificuldades em alegar que fosse de algum dos seus irmãos. saí correndo, de inocência balançada e um pé com probabilidade maior de desenvolver mau cheiro devido ao contato da sola direto com a palmilha.
[encerra o diálogo com você, começa o diálogo comigo]
mas, mais importante do que esses primeiros episódios da minha educação sexual, será que isso foi mesmo no dia da morte da cássia eller? eu tinha quase certeza e fui conferir quando o fato se deu: 29 de dezembro de 2001, afirma a internet. será possível que tudo isso tenha acontecido às vésperas do ano novo, única semana com grandes chances de estar viajando ou coisa parecida?
fiquei intrigado. se não aconteceu assim, por que minha memória fez isso? e, se ela fez isso com esse fragmento de lembrança, quem garante que ela também não bagunçou essa brincadeira de fluidos? ou pior: a quantas anda essa modificação deliberada de todas as minhas lembranças?
o eu do passado, o eu do presente e o eu da narrativa -- é gente demais pra confiar nos arquivos de uma única caixa craniana.
[em tempo: não sou particularmente fã da cássia eller.]
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