bonjour aka
gentilezas
muito embora no final do ano eu me torne um diplomado em francês, não sei muito bem a aplicação disso na minha vida. não estou questionando a validade da formação, só o aspecto prático mesmo. e sem maiores deslumbres: tenho plena consciência de que foi uma escolha meio impulsiva, de valores intrincados voltados ao glamour e status, características plantadas pelo eurocentrismo aliado uma cultura dominante de homens meio boiolas e mulheres elegantérrimas.
um "pequeno" detalhe é que tudo isso se apoia basicamente em preceitos muito antigos. meu avô achar lindo falar francês, vá lá; o fato de eu, duas ou três gerações depois, continuar com essa mesma mentalidade é que é esquisito, anacrônico, à toa, desnecessário, chame como quiser.
daí fico eu com esse je-ne-sais-quoi, também conhecido como "batata quente", em mãos. mas sem dramas, estou ciente de que foi tudo muito bacana de um jeito ou de outro, agora é aproveitar o gole de tempo que vai estar disponível e descobrir o que fazer com ele, usando o tal do diploma ou não.
acontece que há pouco eu estava chegando em casa, na hora do rush matinal dos elevadores. chegado ao térreo, puxei a porta com cuidado, pra não irritar a pessoa que estivesse lá dentro com um conflito de forças braçais desiguais sobre o mesmo objeto cuja responsabilidadde seria inteiramente minha. e me deparei com uma senhorinha saindo da mesma caixa suspensa que eu tomaria pra chegar em casa.
ela, ao mesmo tempo lépida e contida em seu ritmo como convém a uma velhice bem resolvida, sorriu todos os dentes disponíveis (e, originais de fábrica ou pastiche, ela tem todas as canjicas, pelo que pude conferir). eu, seguindo os preceitos de uma certa cordialidade semiautomática, sorri de volta e disse "bom dia".
a velhinha, rasgando ainda mais o sorriso, inclinou a cabeça, como que contente pela gentileza. e me devolveu a mesma expressão, num sinal de que, dependesse de nós, o mundo teria um jazz suave de plano de fundo, calmo como ela conseguiu finalmente ser na segunda metade do seu segundo tempo de vida.
e bingo. falar com biquinho, fazer frescura, ser pedante, seduzir as pessoas, ser mais pedante ainda lendo no original... tudo isso é verdade. tal e qual o mauhumor e a educação excessiva dos pardon e bonjour que eles usam a torto e a direito -- ou, como eles diriam, à tort et à travers. enfim, os rabugentos incutiram em mim alguma gentileza.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
rô e adalto aka
relativizando as migalhas aka
urinárias
- rô, sabe aquela cuspidinha antes do xixi?
- como assim cuspidinha antes do xixi?
- ué, vocês mulheres não dão uma cuspidinha antes do xixi?
- não.
- quer dizer, a cuspidinha não é necessariamente antes. pode ser durante ou depois também.
- mas a gente mija sentada, adalto.
- ah, depois que eu peguei o hábito, dou a cuspidinha até quando tô sentado. cagando. abro um pouco mais as pernas, seguro o pinto pra trás e cuspo. às vezes esbarra na tampa da privada ou no pinto mesmo, mas não é regra.
- tô adorando saber disso, viu. mas, de todo jeito, eu teria que pegar o hábito de pé, pra depois começar a cuspir sentada. e eu nunca mijei em pé.
- não, faz sentido. mas é que eu tô com uma técnica nova pra cuspidinha que eu queria saber... mas você nem cospe no xixi, não adianta.
- técnica, adalto?
- é. eu concentro toda a baba, preparo o cuspe... é quase uma ciência.
- ahã.
- tô falando sério, rô.
- quem sou eu pra te desdenhar.
- mas então, depois de preparar a baba, em vez de dar uma catarrada daquelas cheias e sonoras que eu até acho nojento quando alguém dá na rua assim, eu como que estico a língua e deixo o cuspe fluir.
- transcendental, hein.
- justamente! sabe aquelas cenas de discovery channel que uma gota de orvalho escorre de uma folha? tipo com aquelas lentes fodonas, tudo aumentado, em câmera lenta, que faz uma mini-gota...
- é gotícula o nome disso, adalto.
- é, a gotícula. ela cai e faz um estardalhaço, é quase um tsunami microscópico. sei lá, eu meio que penso essas coisas.
- apesar de toda essa poesia que você tá me contando, eu até que entendo.
- entende o quê?
- isso de relativizar o relativo.
- como assim?
- ah, pensa bem: o que pra você é só um respingo de coca no chão, prum grupo de formigas é um oásis de açúcar e sabor. ou uma migalha de pão que caiu e você vê aquela formiga hulk carregando sozinha, toda vitoriosa. eu piso em todas as outras, menos nela.
- hum, legal.
- tô falando sério, adalto. e dá pra estender isso de relativizar o relativo pra qualquer coisa.
- tipo como?
- ah, agora assim de cabeça eu não sei te contar. mas as pessoas não falam que "tudo é relativo"? então, tudo é relativo em vários ângulos, várias vezes. mas isso meio que sempre acaba sendo um pouco poliana.
- pode ser. você já vem deitar?
- tô só acabando de cortar as unhas do pé direito e já vou.
- tá, vou começar a esquentar o teu lado da cama.
adalto, que não é exatamente um integrante do grupo de homens que dorme de pijama, mas sim do grupo da samba-canção com camiseta branca, tira os óculos e bota na cabeceira junto com o livro que ele sempre rouba na leitura, pulando algumas páginas que acha chatas de vista, hábito aprendido com alguns balzacs das antigas. dá um gole no copo d'água que ele mal bebe, mas que não consegue dormir sem sua presença no criado-mudo, e posiciona tudo rotineiramente. o celular, que faz as vezes de despertador, bem em cima do rádio-relógio que não funciona mais, mas tem valor sentimental, e o copo na extremidade oposta, pra ele não derrubar água nem quebrar o copo quando, de manhã, vira o braço adormecido que se move independentemente, à maneira de predadores marítimos farejando sangue.
rô, cuja corruptela não nos deixa saber se ela se chama romilda, rosana, rosângela, rosaura, roberta, rosa ou qualquer outra rô -- mas que eu, no papel de suposto detentor da narrativa, chamaria de rodriga, e acho que você deveria levar isso em consideração --, termina de cortar as unhas. ela faz parte do grupo de mulheres autônomas, que se recusa a deixar uma fatia considerável de seu salário no salão de beleza, sem falar na imensa carga de paciência que é dispensada nesses locais, que inclui desde o comportamento intrépido das operárias das cutículas até a leitura de revistas datadas do período pré-cambriano.
ela vai conferir se adalto, que lhe incutiu o hábito dos dois goles d'água antes do sono depois que eles foram morar junto, encheu o copo devidamente. dados os seus goles, ela apaga a luz, vai iluminando o caminho com o celular pra não tropeçar, por mais que conheça a lógica do ambiente, considerando que o contrato de aluguel foi renovado umas duas vezes até o momento. tenta tirar o adalto, que está deitado na transversal, do seu lado da cama, o que consegue com algum esforço e mini-petelecos no lóbulo. dá-lhe um beijo entre o pescoço e a orelha, se acomoda e puxa o braço dele de novo pra cima de si.
relativizando as migalhas aka
urinárias
- rô, sabe aquela cuspidinha antes do xixi?
- como assim cuspidinha antes do xixi?
- ué, vocês mulheres não dão uma cuspidinha antes do xixi?
- não.
- quer dizer, a cuspidinha não é necessariamente antes. pode ser durante ou depois também.
- mas a gente mija sentada, adalto.
- ah, depois que eu peguei o hábito, dou a cuspidinha até quando tô sentado. cagando. abro um pouco mais as pernas, seguro o pinto pra trás e cuspo. às vezes esbarra na tampa da privada ou no pinto mesmo, mas não é regra.
- tô adorando saber disso, viu. mas, de todo jeito, eu teria que pegar o hábito de pé, pra depois começar a cuspir sentada. e eu nunca mijei em pé.
- não, faz sentido. mas é que eu tô com uma técnica nova pra cuspidinha que eu queria saber... mas você nem cospe no xixi, não adianta.
- técnica, adalto?
- é. eu concentro toda a baba, preparo o cuspe... é quase uma ciência.
- ahã.
- tô falando sério, rô.
- quem sou eu pra te desdenhar.
- mas então, depois de preparar a baba, em vez de dar uma catarrada daquelas cheias e sonoras que eu até acho nojento quando alguém dá na rua assim, eu como que estico a língua e deixo o cuspe fluir.
- transcendental, hein.
- justamente! sabe aquelas cenas de discovery channel que uma gota de orvalho escorre de uma folha? tipo com aquelas lentes fodonas, tudo aumentado, em câmera lenta, que faz uma mini-gota...
- é gotícula o nome disso, adalto.
- é, a gotícula. ela cai e faz um estardalhaço, é quase um tsunami microscópico. sei lá, eu meio que penso essas coisas.
- apesar de toda essa poesia que você tá me contando, eu até que entendo.
- entende o quê?
- isso de relativizar o relativo.
- como assim?
- ah, pensa bem: o que pra você é só um respingo de coca no chão, prum grupo de formigas é um oásis de açúcar e sabor. ou uma migalha de pão que caiu e você vê aquela formiga hulk carregando sozinha, toda vitoriosa. eu piso em todas as outras, menos nela.
- hum, legal.
- tô falando sério, adalto. e dá pra estender isso de relativizar o relativo pra qualquer coisa.
- tipo como?
- ah, agora assim de cabeça eu não sei te contar. mas as pessoas não falam que "tudo é relativo"? então, tudo é relativo em vários ângulos, várias vezes. mas isso meio que sempre acaba sendo um pouco poliana.
- pode ser. você já vem deitar?
- tô só acabando de cortar as unhas do pé direito e já vou.
- tá, vou começar a esquentar o teu lado da cama.
adalto, que não é exatamente um integrante do grupo de homens que dorme de pijama, mas sim do grupo da samba-canção com camiseta branca, tira os óculos e bota na cabeceira junto com o livro que ele sempre rouba na leitura, pulando algumas páginas que acha chatas de vista, hábito aprendido com alguns balzacs das antigas. dá um gole no copo d'água que ele mal bebe, mas que não consegue dormir sem sua presença no criado-mudo, e posiciona tudo rotineiramente. o celular, que faz as vezes de despertador, bem em cima do rádio-relógio que não funciona mais, mas tem valor sentimental, e o copo na extremidade oposta, pra ele não derrubar água nem quebrar o copo quando, de manhã, vira o braço adormecido que se move independentemente, à maneira de predadores marítimos farejando sangue.
rô, cuja corruptela não nos deixa saber se ela se chama romilda, rosana, rosângela, rosaura, roberta, rosa ou qualquer outra rô -- mas que eu, no papel de suposto detentor da narrativa, chamaria de rodriga, e acho que você deveria levar isso em consideração --, termina de cortar as unhas. ela faz parte do grupo de mulheres autônomas, que se recusa a deixar uma fatia considerável de seu salário no salão de beleza, sem falar na imensa carga de paciência que é dispensada nesses locais, que inclui desde o comportamento intrépido das operárias das cutículas até a leitura de revistas datadas do período pré-cambriano.
ela vai conferir se adalto, que lhe incutiu o hábito dos dois goles d'água antes do sono depois que eles foram morar junto, encheu o copo devidamente. dados os seus goles, ela apaga a luz, vai iluminando o caminho com o celular pra não tropeçar, por mais que conheça a lógica do ambiente, considerando que o contrato de aluguel foi renovado umas duas vezes até o momento. tenta tirar o adalto, que está deitado na transversal, do seu lado da cama, o que consegue com algum esforço e mini-petelecos no lóbulo. dá-lhe um beijo entre o pescoço e a orelha, se acomoda e puxa o braço dele de novo pra cima de si.
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