domingo, 31 de julho de 2011

jardim botânico aka
construindo a memória

me perdi por horas. a ressaca mais o senso de localização chucro me fizeram descer na estação errada, me perder à pé, andar em círculo, me perder depois de bicicleta até que, enfim, consegui chegar, com a baguete atrasada, no destino certo. o bônus ficou por conta da entrada que eu não sabia que tinha que pagar e não me cobraram -- uma mãozinha do destino, considerando que a carteira tinha nada mais do que quatro centavos. chegando lá, o jardim botânico milimetricamente planejado, flores, muitas flores de todos os tipos, em trouxinhas, em cabeleiras, tudo misturado e desordenado cheio de harmonia. no céu, um crepúsculo desses do velho continente que duram três horas, em nuances que foram do azul claro ao preto, com alguns lampejos meio rosados, durando até quase onze da noite. no palco, um quarteto de jazz com alguns convidados e acompanhado de um coral, homenageando mozart a seu modo, com direito a beatbox e uma senhora de cabelos longos de única dançarina da plateia, no último dia de um festival que eu felizmente não deixei passar. vivendo uma daquelas cenas que você tem certeza que vai estar nos flashes da memória o resto da vida, no repositório de imagens bonitas.

domingo, 24 de julho de 2011

museus aka
pas de deux

um áudio-guia, senhor? não, não, obrigado, na língua que convier. é isso, o tempo de guardar as tralhas e talvez mais uma estratégica ida ao banheiro antes de desfrutar de um pouco de cultura que custa caro e, na ânsia coletiva de construir um intelecto, geralmente fica lotado de pessoas que não entendem nada (não estou me colocando fora desse grupo, que fique claro).

então, é dada a largada para um percurso de salas organizadas de acordo com a subjetividade de alguém que supostamente soube o que estava fazendo.

invariavelmente desenvolvem-se parceiros de percurso expositivo dos quais se tenta desvencilhar entrando numa sala adjacente, mas que o destino, em pleno deboche, acaba por reunir poucos momentos depois. um alento e tanto para as almas mais românticas que esperam conhecer o seu outro significativo numa ocasião assim, que envolva solidão e fruição artística.

entrando mais ou menos junto, um casal. o brilho nos olhos, a gratuidade dos sorrisos e a partilha insistente e cuidadosa de impressões e opiniões denunciava que tratava-se de um relacionamento recém-nascido, um natipouco.

uma dessas pequenas intimidades ocasionais que acontecem no elevador, na espera para que o sinal de pedestres seja favorável, nos acotovelamentos em balcões de bares com pouca mão-de-obra e preço elevado, na cumplicidade de filas de pessoas ou veículos, no esmagamento inevitável dos transportes públicos em horários concorridos e assim por diante.

sendo um casal em pleno verão de relacionamento, as expectativas orgiásticas foram reduzidas; mas sendo um museu que não valia tanto quanto se imaginava, deu mais graça ao trajeto. trajeto que, aliás, agonizava, naquele momento em que os funcionários entediados e uniformizados começam a expulsar a multidão de cáqui que finge não dar ouvidos até o último momento, quando ganha vez uma leve dose de grosseria.

nada que atrapalhasse o ritmo do par. eram dois quadros e uma entrelaçada descompromissada de mãos. mais dois passos e um queixo apoiado em ombro alheio, quase numa tentativa de partilhar a mesma visão da tela. os braços se roçavam sempre que possível, o andar em dupla era bem conjugado, um afago no braço ou nas costas acontecia de tempos em tempos.

tudo transpirando casualidade e respirando maquinações amorosas com minúcia de dança clássica das mais rígidas, que obriga a destruição dos pés e um regime quase ditatorial para fazer emergir a leveza e os corpos esculpidos com esmero das ditas bailarinas. no caso, dois bailarinos.
brevidade aka
anonimatos

venho por meio deste sinalizar os comentários, ao mesmo tempo identificados e anônimos, deixados pelo meu corpo de leitores que não enche duas mãos. seja em época de migalhas ou vacas gordas, agradeço. e fica sempre a vontade de prolongar um pouco a prosa.